EUA venderam espingardas de sniper à polícia do Rio de Janeiro

O governo dos Estados Unidos deu luz verde, em 2024, à venda de espingardas de precisão de longo alcance ao Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE), força de elite da polícia militar do Rio de Janeiro, apesar dos alertas da então embaixadora americana no Brasil, expressando receios de que as armas poderiam ser usadas à margem da lei. A informação é veiculada pela Agência Reuters, baseada em documentação a que teve acesso e em testemunhos de antigos e atuais elementos do governo dos EUA.

Sérgio Alexandre /
Anadolu via Reuters Connect

Segundo os dados agora divulgados, o BOPE contratou a compra de 20 espingardas de sniper ao fabricante americano Daniel Defense LLC, num negócio não publicitado que decorreu em 2023, ainda durante a administração chefiada pelo anterior Presidente Joe Biden, mas só recebeu o armamento no ano passado.

Elizabeth Bagley, então embaixadora dos EUA no Brasil, opôs-se ao negócio, tal como outros diplomatas, lê-se num memorando de janeiro de 2024 exposto pela investigação da Reuters. Nesse documento, o BOPE é descrito como “uma das unidades policiais brasileiras mais ligadas a casos de matança de civis”. Dados oficiais reunidos pela ONG Fórum Brasileiro de Segurança Pública atribuem à tropa de elite carioca a responsabilidade por mais de 700 homicídios em 2024.

A Reuters explica que, ao abrigo da lei americana, todas as exportações de armas são objeto de apertado controlo por parte do governo federal, via Departamento de Estado. Tendo a venda das armas sido contratualizada durante a anterior Presidência, a atual também não lhe criaria entraves, bem pelo contrário. Instado pela agência noticiosa americana a comentar esta investigação, um porta-voz do Departamento de Estado é claro ao afirmar que “em nome da segurança do nosso hemisfério, continuamos empenhados em garantir que os nossos parceiros tenham o que precisam para combater a criminalidade violenta”.

Entre os apoiantes mais entusiastas da transação encontra-se o americano de origem venezuelana Ricardo Pita, então um alto funcionário do Partido Republicano na Câmara dos Representantes e hoje conselheiro de Negócios para o Hemisfério Ocidental no Departamento de Estado.

Documentação referida nesta investigação demonstra que Pita, que recusou prestar um depoimento, pressionou o setor diplomático com “grande persistência” para que permitisse adicionar silenciadores à encomenda das 120 espingardas, um comportamento “surpreendente”, de acordo com os testemunhos reunidos pela Reuters.

O negócio de armamento agora trazido a público não é o primeiro entre os EUA e o BOPE. Documentação nos arquivos do Departamento de Estado permitem rastrear a venda de pelo menos 800 espingardas de sniper no passado, um fluxo que abrandou nos anos mais recentes precisamente devido à reputação violenta adquirida pela tropa de elite do Rio.

A Agência Reuters não conseguiu estabelecer se as armas americanas foram, ou não, usadas pelo Batalhão de Operações Policiais Especiais no raide levado a cabo no fim de outubro contra o Comando Vermelho, a organização criminosa mais poderosa e antiga do Rio de Janeiro. Nos complexos de favelas da Penha e do Alemão, morreram pelo menos 121 pessoas, em resultado da operação policial mais sangrenta de sempre no Brasil.

A atuação das autoridades cariocas mereceu a condenação de organizações de defesa dos Direitos Humanos, de peritos das Nações Unidas e foi alvo de manifestações de protesto em diversos estados brasileiros. Esta semana, o Presidente brasileiro qualificou a operação de “desastrosa, do ponto de vista da ação do Estado” e falou na necessidade de um inquérito para apurar “eventuais falhas”.
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